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Émília Perez

  • Foto do escritor: Rebel Girl
    Rebel Girl
  • 10 de mar.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 11 de mar.

E o identitarismo vazio

Título da crônica roubaram meu tênis sobre fundo de tênis

Tinha tudo pra ser o primeiro de seu tipo. Um filme sobre uma mulher trans, que realmente é uma mulher trans. Aplausos extensos em um dos maiores festivais de cinema do mundo, 10 minutos de palmas. A obra ganha momento, Globo d’Ouro se interessa, premia.

E então o filme antes pouco conhecido pelas bandas de cá do oceano, estreia na América Latina.


Queria poder dizer que foi o brasileiro que começou toda a polêmica, mas a realidade é que a estranheza sobre o filme começou quando ele foi lançado no local de onde ele trata. Afinal, é um filme que retrata o México, não?


Analisando friamente a estrutura da produção do filme, que não vi, nem verei (afinal, se o próprio diretor pode filmar uma história que se passa em um território que ele não vê necessidade em conhecer e explorar, eu posso elucubrar sobre sua obra sem tê-la visto), começamos com o seu diretor, um francês que foi muito aclamado por filmes que retratam, vejam só, imigrantes. Minha guia espiritual de filmes, Isabela Boscov, era muito fã de sua obra (note o verbo no passado), por isso, podemos dizer que ele era um profissional respeitado. No entanto, em Emilia Pérez, ele foi além, escolhendo retratar uma história que se passa longe de seu território (a França), cuja língua, e consequentemente, cultura, ele claramente não respeita. Afinal, sua fala “o espanhol é uma língua de países emergentes, países modestos, pobres e imigrantes” retrata muito bem o que ele pensa do mexicano (e das mais de 400 milhões de pessoas que falam a língua pelo mundo afora).


Partindo da pessoa diretora para o elenco. Bom, se temos um francês que acredita que o povo que está retratando é de alguma forma inferior (inferior a quem, fica a pergunta...), claramente, a escolha de atores para personificar seus personagens não sairia do México. Incrivelmente, a diretora de elenco do filme estava tão confortável ao comentar sobre as escolhas de atores estado-unidenses para os papéis, que teve a pachorra de falar em entrevista que não havia uma sequer alma em todo território mexicano que estivesse a altura daquela produção, por isso eles foram bater na porta do país vizinho (tomei algumas liberdades criativas com a fala dela aqui, mas você pode ver por você mesmo em vídeo).


"Zoe Saldaña, que além de cantar muito mal, ainda mete uma de “Ameinda que foi fazer intercâmbio e esqueceu como se fala inglês”, tamanha emoção em uma premiação, tem zero carisma."

Enfim, chegamos à história. Além dos inúmeros estereótipos extremamente ofensivos do povo mexicano, uma visão escabrosa de uma cultura inteira praticamente reduzida a um povo histérico e de índole duvidosa, temos a representação surpreendentemente transfóbica, de uma mulher trans. Analise comigo a história: um chefe de cartel mexicano passa por sua transição de gênero, após decidir forjar a própria morte pois estava um tanto em crise com seus feitos passados. Ao retornar ao seu seio familiar, agora como Emília, fingindo ser irmã do falecido assassino, ela agora quer fazer reparações ao seu passado sombrio, de forma oca, xoxa, capenga e manca. No entanto, tudo dá errado, ela falece, mas é santificada ao final do filme. Sim, você leu corretamente. Santificada. Aparentemente, quando você faz uma transição de gênero sua alma é resetada, tal qual um vídeo game (algo que se pontua no filme, com exceção da parte do vídeo game).


Tudo isso ao redor de números musicais pobríssimos. Bem-feito por quererem se lançar no mesmo mundo de Wicked. Zoe Saldaña, que além de cantar muito mal, ainda mete uma de “Ameinda que foi fazer intercâmbio e esqueceu como se fala inglês”, tamanha emoção em uma premiação, tem zero carisma. Selena Gomez, que não fala espanhol desde sua infância, ficou parecendo Brendan Fraser quando acorda como chefe de cartel no México depois de um dos seus pedidos ao diabo darem errado em Endiabrado.


Dói (isso porque só vi em clipes!)



"Mulheres no topo, é um dos jargões identitários que se usa para descrever esta ideia, que vai de encontro a qualquer ideologia revolucionária real, que defende a ascensão individual e não coletiva. Kamala Harris continuaria bombardeando mundialmente qualquer país que se indignasse a subverter-se aos Estados Unidos"

Agora Karla Sofia Gaskón é um comentário a parte. Eu imaginaria que ao ler um roteiro desses, como mulher trans, eu ficaria horrorizada com o que está escrito ali. Mas parando para analisar um pouquinho do que (agora) sabemos dela, podemos entender exatamente por que ela escolheu (e foi escolhida para) este papel. Sofia é uma espanhola com visão de mundo extremamente europeia. Seus tweets relativamente recentes demonstram como ela vê populações que acredita serem inferiores, inclusive as comunidades colonizadas pelo seu próprio país, ou seja, não é problema algum para ela ser protagonista de um filme mexicano que quer debochar do México e de seu povo. E como se não bastasse esse chorume ideológico, ela também tem muitas opiniões fortíssimas sobre (para zero surpresa de todos) diversas minorias populacionais e culturais, o que a coloca em sintonia completa com o diretor do filme e a produção como um todo.


Com relação a questão LGBTQIAP+, este é um ponto a parte. Li e assisti muitos membros da comunidade brasileira falarem que não deveríamos xoxar o filme, simplesmente por ele ser histórico, por ser o primeiro filme sobre uma mulher trans, protagonizado por uma mulher trans.


E é exatamente aqui que eu queria chegar. Porque esta fala é a mesma coisa que defender a candidatura à presidência de uma Hillary Clinton, ou uma Kamala Harris, simplesmente porque são mulheres.


Não entendeu a comparação? Vamos lá.


Hillary Clinton, primeira figura democrata “feminista” candidata à presidência dos Estados Unidos defendeu inúmeros casos em seu início de carreira em uma empresa de advocacia que tinha inúmeros homens proeminentes como clientes, um deles, acusado de estuprar uma criança de 12 anos. Hillary, a época, é ouvida (e gravada) em uma conversa rindo das alegações e comemorando sua vitória no caso. Ambas, Hillary e Kamala, são do partido democrata dos Estados Unidos, que hoje, todos estão começando a entender é apenas um braço mais bélico, mas ainda muito facho, da política estado-unidense. O fato de que ambas são mulheres não deveria ser um diferenciador positivo quando estamos falando do que estas mulheres são capazes.


Esse é o identitarismo vazio que estamos assistindo neste nosso capitalismo tardio. Está tudo bem nós endossarmos minorias, independentemente de como agem ou pensam, e quem discorda deveria ficar calado. Mulheres no topo, um dos jargões identitários que se usa para descrever esta ideia, que vai de encontro a qualquer ideologia revolucionária real, que defende a ascensão individual e não coletiva. Kamala Harris continuaria bombardeando mundialmente qualquer país que se indignasse a subverter-se aos Estados Unidos, continuaria fazendo a indústria armamentista de seu país cada vez mais rica, gastando milhões do dinheiro público em prol de meia dúzia de homens, velhos e brancos, donos desta indústria. Também continuaria, assim como o atual presidente, a desgraçar a própria população estado-unidense, cobrando a todos pelos mais básicos dos serviços, tudo isso enquanto lindamente posasse em frente a bandeira do país, sendo apoiada por pessoas que vêem a pessoa, e não o que ela perpetua, apenas um símbolo. Mas do quê?


"Sofia é uma espanhola com visão de mundo extremamente europeia. Seus tweets relativamente recentes demonstram como ela vê populações que acredita serem inferiores, inclusive as comunidades colonizadas pelo seu próprio país, ou seja, não é problema algum para ela ser protagonista de um filme mexicano que quer debochar do México"

Sofia Gaskón é esta pessoa, trans ou não. Ela tem a mentalidade de uma colonizadora e age como tal, porém ela é parte da comunidade LGBTQIAP+. Ela é o/a gay de direita, aquele que eu e você conhecemos, que não entende que aquilo que ele defende, que aquele que faz a arminha com a mão é o mesmo que o quer matar, dada oportunidade.

É como a Serena, de O Conto de Aia, que acredita que será levada em conta após a tomada do poder pelo marido e seus brothers, traindo então todas as outras mulheres, simplesmente para ser submetida àquilo que ela acreditava ser para outras, não para ela. Mas ainda assim se olha no espelho e acredita que é diferente (pelo menos no início, não é possível se convencer disso pra sempre enquanto se apanha), e se alinha àqueles que a usam como fantoche, como o diretor francês fez com Sofía, na busca pelo seu tão desejado Oscar.


Emilia Pérez não é um filme, é na verdade uma demonstração de 2 horas e 10 minutos de que, se você seguir uma receitinha de bolo identitária, você poderá alcançar as graças de Hollywood. No entanto, muito me orgulha saber que essa propaganda não está sendo mais engolida por aqueles que são achatados por ela.

 

Viva a América Latina.

 
 
 

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