top of page

Roubaram meu Tênis

  • Foto do escritor: Rebel Girl
    Rebel Girl
  • 9 de fev.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 24 de fev.

Uma crônica sobre um roubo condominial de um calçado querido

Título da crônica roubaram meu tênis sobre fundo de tênis

Roubaram meu tênis.


A tonta fui eu que deixou um par de muitas centenas de reais dando sopa, enquanto ensopado, do lado de fora da minha porta, da noite pro dia pra ele secar e não esculhambar inteiramente a minha cozinha (recém limpa nível “dá pra lamber o chão”) de lama.


Roubaram meu tênis.


Não houve ameaça. Não houve interação minha com quem o levou. Não houve nenhum tipo de coisa que se espera quando algo de extremo valor financeiro e sentimental some assim da sua vida.


Roubaram meu tênis.


Não houve nem mesmo uma noção da minha parte de que ele havia sumido. Eu nem sei quando aconteceu, em algum momento desde o dia que eu ensopei ele na semana passada até ontem, quando fui resolver burócras no centro da cidade e precisei dele.


Foi nesse interim que Roubaram meu tênis.


Ele era assim então, valioso? Se a métrica é a minha tristeza, então sim. Junto com os antialérgicos tomados ontem (outro assunto) e a decepção de não o ter encontrado, eu fiquei abatida, em posição fetal no sofá, dormindo como se de ressaca, ponderando fazer um alarde pra síndica ou ficar quieta e aceitar a derrota. Se a métrica foi o quanto eu precisei dele, se já tivesse parado de chover, sabe-se lá quando iria dar falta dele. Sinto que há uma questão filosófica aqui que não consigo alcançar.


Roubaram meu tênis.


Será que eu, em meio a névoa do Histamin, não procurei direito? Será que ele está escondido por debaixo de algum móvel grande (que eu investiguei a fundo), ou dentro de algum armário (que eu quase não tenho)? E lá fui eu fazer uma nova busca, com a mente agora transbordando de café. E nada.


Roubaram mesmo meu tênis.


Me fez pensar no quanto eu confio nas pessoas e nos costumes, mesmo quando penso que não. Nesses moradores que são as únicas pessoas que passeiam pelos corredores do meu modesto edifício, já que não temos nem como abrir portão automaticamente para entregadores e pessoas estranhas perambularem por aqui.


Roubaram meu tênis.


O que é um estranho? Um vizinho, pra mim, sempre foi um estranho. Vizinho pra paulista é só mais um estranho. Mas eu não moro em São Paulo há 10 anos, então o vizinho que pega sua encomenda da Amazon, que você só ia receber dias depois porque perdeu o entregador, ainda é um estranho? Esse vizinho que te avisa que a pegou sua encomenda (a ração dos seus gatos) pra te fazer um favor, mas infelizmente, ela foi comida pelos gatos dele? Mas que está confortável em te avisar que comprou uma nova que chega dali alguns dias, ele ainda é um estranho? E a senhorinha que adquiriu nova paz de espírito porque aqui tem um homem alto, másculo e viril aqui pra levantar a ainda mais senhorinha, mãe dela, do chão quando ela cai? Também uma estranha? E o vizinho que aluga sua vaga e te manda stickers de rock no whatsapp, junto com o comprovante de pagamento? E a outra que quase foi sua corretora imobiliária? Ou ainda a síndica que conta a história de vida pra você quando te encontra, além de saber de todos os causos do meu apartamento e tê-lo visto por dentro, em detalhes? Sem faltar o outro que tem um filho que grita todas as vezes que ele vai no banheiro pra você. Todos são absolutamente estranhos? É muito confuso.


Porque roubaram meu tênis.


E eu vejo outros tênis em portas em outros andares. Bons tênis. Mais de um par de tênis. Por quê então, o meu tênis? Por que sou tonta? Se sou, também não sou a única. Será que se eu descer passando nos outros andares terá ocorrido o arrastão do tênis?


Não houve o arrastão de tênis.


Roubaram foi só o meu tênis. E não sabendo lidar com a perda do meu tênis, muito menos tendo a possibilidade de comprar um equivalente tênis, me despeço desse pequeno texto, que disse muito pouco, e falou menos ainda, e do dito tênis. Sigo triste e de chinelos.

 

Update crucial: não roubaram meu tênis. Ele foi esquecido no casa de uma aminha amiga, assim como sua existência até o fatídico dia que foi necessário. Mas até a tonta descobrir eu já tinha feito um texto, parte do luto que passei pela perda do calçado querido.

Комментарии


bottom of page