Saboroso Cadáver
- Rebel Girl
- 7 de fev.
- 2 min de leitura
Uma resenha criativa de uma distopia cabulosa

Ao ler saboroso cadáver foi impossível não relacionar os aspectos centrais da sociedade ali inventada e Freud, que trata de três tabus fundamentais da raça humana: incesto, morte e canibalismo. O tabu, nada mais é, que a manutenção de um estado comunitário que serve para manter as relações sociais, pois sua desobediência acarretará inevitavelmente na modificação da relação indivíduo x sociedade. Dentro da teoria Freudiana também se trabalha a ideia de totem, o conjunto de regras e proibições oriundos do tabu que ao longo do tempo perdem sua origem, mas continuam a existir pela sua função mantenedora do status quo comunitário, como aquele de manter a ordem e não consumirmos uns aos outros. O livro de Agustina Bazterrica denota uma sociedade distópica onde este totem foi completamente subvertido, onde há invenção de uma diferenciação entre a carne com nome e sobrenome, e a comestível.
"(...) há invenção de uma diferenciação entre a carne com nome e sobrenome, e a comestível."
Trilhamos a história Damos de mãos dadas ao protagonista, filho de dono de açougue da era pré-transição, que, no presente, assiste seu pai definhar, demente, em um asilo. Pai esse tão crítico a transformação do mundo que adoeceu repentinamente.
Também, por seus olhos, temos a impressão de que, apesar de ser figura importante neste novo mundo, Marcos tem problemas com o trabalho que performa brilhantemente. Marquitos, como é chamado pelos (nada) íntimos, tem sempre um pensamento sobre a problemática de seu mundo, sobre o que assiste e sobre as pessoas com quem se relaciona profissionalmente. No entanto, ele acorda, levanta todos os dias, e trabalha.
E junto a Marcos e suas relação o livro nos apresenta de forma extremamente interessante todas as pessoas que neste novo mundo, tem seu papel na manutenção deste “mercado”: o empresário, a açougueira, o caçador por esporte, os psicopatas, os religiosos predadores, e a cientista, cada um representando sua instituição. E aqui farei um parêntese sobre quão brilhante é Agustina ao mostrar como é vazio um identitarismo não ideológico ao demonstrá-lo em uma personagem cujo apelido é Dra. Mengele, que ama falar, em específico discorrer sobre suas mazelas, todas elas que dizem respeito a ser uma “mulher em um campo predominantemente masculino”. Querida, se esse é um mundo a se inserir, que fique com eles.
"Marquitos, como é chamado pelos (nada) íntimos, tem sempre um pensamento sobre a problemática de seu mundo, sobre o que assiste e sobre as pessoas com quem se relaciona profissionalmente. No entanto, ele acorda, levanta todos os dias, e trabalha."
Finalmente, o protagonista nos surpreende demonstrando que dentro deste (nada) novo sistema, dada devida circunstância, todos somos sujeitos ao que você, lendo esse livro, veria como completa barbárie. Afinal, os leigos, ignorantes, ou puramente mal-intencionados dirão que o tema central deste livro é um absurdo. Mas aqueles que já tem seus olhos abertos em nossa realidade hoje, fora do livro, sabem que a diferenciação entre os “tipos de carne” já existe há muito tempo, a que tem nome e sobrenome e a que não, mesmo que esta última não seja literalmente consumida.
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