Sally Rooney e o que é o Amor?
- Rebel Girl
- 6 de abr.
- 6 min de leitura
Atualizado: 6 de abr.
Contém spoilers do livro Pessoas Normais, além de uma análise maneirinha

O que é amor?
Uau, começou difícil, ela. Mas acho que essa pergunta envolve este livro de Sally Rooney, Pessoas Normais.
O livro segue um casal desde sua adolescência até a idade adulta. Nesse meio tempo, eles são e não são um casal tradicional: namorados, mas sempre presentes na vida um do outro, com um magnetismo incrível.
A história começa com um acordo (não tão) silencioso entre as duas partes adolescentes: Gostamos um do outro suficiente para dormirmos juntos, mas não o suficiente para assumirmos isso ao nosso ciclo social.
Ok, aqui estou sendo muito amigável em dizer que essa parte do "não assumir" seja algo que ambos desejam, e não apenas uma parte — a do nosso protagonista Connel, que, por medo de julgamentos de seus amigos de escola, pede que o relacionamento seja mantido em segredo.
Aqui começa uma análise que almeja responder à minha pergunta inicial. Se você gosta de uma pessoa, se ela te faz bem, se você está (como eles estão neste período) se descobrindo, descobrindo sua sexualidade e o desejo, aprendendo sobre a profundidade de seus sentimentos, seus (reais) amigos não deveriam ficar felizes por você?
Bom, claramente, não é essa imagem que Connel tem de seu ciclo de amizades. Mas ok, estamos falando de adolescentes que têm (naturalmente) a complexidade emocional de um pires. Mesmo falando de nossa protagonista feminina, que parece ter alguma maturidade para além dos seus anos.
(apenas uma observação, eu odeio essa frase, porque, normalmente, essa percepção está atrelada a um trauma infantil.)
É no fim do ensino médio quando ocorre a primeira separação desse casal, que vem como um golpe. Connel, com medo de que todos descubram que ele está apaixonado por Marianne (nossa igualmente protagonista), decide chamar uma menina popular de seu círculo social para ir com ele à formatura, e o nosso casal termina. No entanto, durante a festa, ele descobre que todos os seus amigos já sabiam do relacionamento, e ele termina a noite sozinho, tendo um leve ataque de pânico.
Todo o segredo, insegurança e preocupação... para nada. Ninguém ligava.
"Juntos nesse novo ambiente, no entanto, nosso par tenta partir de onde parou. Ambos reconhecem seus sentimentos um pelo outro; no entanto, não parecem conseguir chegar a um denominador comum no relacionamento. Tem muita coisa não dita."
A chance que eles têm de se reaproximar aparece quando eles entram na mesma universidade. Não apenas uma nova chance de se relacionar — já que isso eventualmente ocorre —, mas uma nova chance de se reinventar como pessoa, em um ambiente que não tem histórico algum sobre você. Assim fizeram os personagens. Marianne, antes tímida, porém combativa, que nunca levou tentativa de bullying para casa, se vê possibilitada a se abrir socialmente — especialmente por ser uma milionária e agora estar mais próxima de pessoas que compartilham do seu status socioeconômico.
Aqui é interessante analisar como muito do assédio moral que Marianne sofria no ambiente escolar vinha do ressentimento dos colegas por sua situação financeira díspar, além de sua personalidade introspectiva, que, envolta em mistério, atiçava a curiosidade nunca saciada de seus pares e os impulsionava a mexer com ela.
Já Connel, que implodiu seu relacionamento com Marianne na escola em prol de seu status social, se vê sozinho e perdido pelo mesmo motivo que Marianne se vê uma borboleta social: aquelas pessoas não falam nem compartilham dos mesmos assuntos com os quais ele estava acostumado a galgar suas amizades. Ali a maioria tem experiências que ele nunca viveu e uma visão de mundo típica de uma classe econômica mais abastada. Aqui, também preciso pontuar que amo a forma como Sally Rooney não romantiza essa classe; pelo contrário, através dos olhos de Connel ela demonstra a todo momento que muitas daquelas pessoas que estão naquele ambiente de ensino apenas o habitam por causa de seu dinheiro, e não por seus intelectos. Chegam a ser mais rasas em suas interpretações do mundo que alguns dos adolescentes que mencionei anteriormente.
Juntos nesse novo ambiente, no entanto, nosso par tenta partir de onde parou. Ambos reconhecem seus sentimentos um pelo outro; no entanto, não parecem conseguir chegar a um denominador comum no relacionamento. Tem muita coisa não dita.
Nós (leitores) não sabemos exatamente o que é, mas as pistas são dadas pouco a pouco: quando Marianne pergunta se Connel algum dia bateria em uma mulher, quando vemos que ele não consegue demonstrar seu amor fisicamente, quando ela se recusa a compartilhar suas inseguranças e, principalmente, quando ele se recusa a pedir para passar uma temporada gratuita na casa dela — pois ficou sem emprego e sem casa do dia para noite — e questiona se eles não deveriam abrir o relacionamento durante esse período de separação física. Esta última atitude é que acaba os separando pela segunda vez.
Enquanto lemos, sabemos que estes personagens se amam. Não apenas isso: eles sabem que se amam. Eles sentem a atração física e mental característica; eles querem estar juntos. No entanto, isso não é suficiente para que isso ocorra.
"O amor compartilhado por esses dois personagens, a meu ver, é um reflexo dessa incapacidade de amar plenamente, por conta das limitações impostas por essa criação mesclada de insegurança e violência. Connel encara sua depressão em um consultório psicológico; já Marianne busca redenção mental após um trauma sexual."
É quando os protagonistas se separam que a pergunta "O que é o amor?" começa a poder ser analisada. Aqui, vou chamar Freud (lá vem ela...) para me ajudar na minha busca por respostas.
Quando tudo que uma pessoa conheceu em sua criação familiar e social foi a violência, ela se reverte no desejo e nas ações do ser adulto — não apenas violência física, mas verbal, como é o caso de Marianne dentro de seu núcleo familiar. No caso de Connel, que teve uma vida familiar simples, porém amorosa, a violência se deu no âmbito social: nas interações masculinas desprovidas de qualquer complexidade, onde homem não chora e qualquer coisa que beire uma conversa sobre sentimentos é rechaçada com a pergunta "Nossa, quando você ficou tão gay?".
Já Marianne sai em busca da autodepreciação. Isso é apresentado no livro através de seus muitos relacionamentos sexuais, inundados de abuso verbal e, eventualmente, físico. Esse desejo pela autodestruição é oriundo de uma criação onde o amor foi negado: ela assistia à violência física perpetuada por seu pai contra sua mãe. Quando o pai falece, viveu com um irmão traumatizado que, quando adulto, perpetua essa violência contra ela mesma. A mãe passa de antiga vítima para cúmplice, pois assiste a todos os ataques contra a filha em silêncio complacente.
Connel, que tinha como norte as interações sociais — por mais rasas que fossem —, agora afastado de Marianne por conta de todo o histórico do relacionamento, chega ao ponto de estar tão perdido socialmente que, quando perde um dos antigos amigos de escola para o suicídio, entra em uma espiral de culpa e depressão da qual só consegue sair após buscar ajuda profissional.
O amor compartilhado por esses dois personagens, a meu ver, é um reflexo dessa incapacidade de amar plenamente, por conta das limitações impostas por essa criação mesclada de insegurança e violência. Connel encara sua depressão em um consultório psicológico; já Marianne busca redenção mental após um trauma sexual, ao se questionar por que se flagela e, principalmente, quando a violência — antes apenas verbal do irmão — se transforma em física.
O que é o amor, então? Amor é aquilo que cada um entende que é. Essa palavra complicada nada mais é do que o resultado de como somos criados no mundo, dentro e fora de casa. É aquilo que estamos preparados para receber e aquilo que podemos dar aos outros, sejam nossos amigos ou companheiros de vida.
No entanto, no livro — assim como na vida —, percebemos que aquilo que aprendemos não é uma sentença. Existe (apesar da dificuldade) uma clara e muito factível possibilidade de mudança. É preciso se entender muito antes da tentativa de um relacionamento com o outro, que pode ser um amigo ou nosso objeto de desejo.
Esse entendimento nos ensina do que somos capazes de fazer com o outro quando não sabemos o quanto o mundo dói dentro de nós e, principalmente, nos diz das nossas próprias limitações: até onde permitimos que o outro nos atravesse sem que ele nos invada, nos machuque ou, pior, nos aniquile.l/
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