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Quem tem Medo da Sexualidade Feminina

  • Foto do escritor: Rebel Girl
    Rebel Girl
  • 31 de mar.
  • 4 min de leitura

Cuidado com as trends que aparentam serem apenas “brincadeirinhas” meninas...


Há algum tempo venho percebendo uma trend no TikTok onde mulheres leitoras de romantasia (um gênero que mistura romance, fantasia, normalmente bem caliente) se diminuindo pelos seus gostos.


O vídeo é sempre igual, a mulher emula a mãe ou algum adulto conversando com outras pessoas sobre o fato da filha ser uma ávida leitora, cheia de elogios e admiração. Corta pra própria menina fazendo alguma cara engraçada e uma legenda escrita na tela onde ela confessa que, na verdade, ela não é nada culta, ou superinteligente, ou qualquer coisa que a representação da mãe comentou no corte anterior, mas sim, uma mera leitora de livros com HOT.


Não sou uma completa velha descolada da realidade, e eu entendo o que é uma brincadeira viral sobre um assunto que muitas das mulheres que eu sigo comentam. No entanto, apesar de parecer uma trend inofensiva, onde mulheres fazem graça sobre suas predileções literárias, eu percebi que o buraco (perdão da palavra) desse jogo é mais embaixo.


Em paralelo com essa trend específica, temos muitas outras trends de pessoas que não estão brincando quando fazem chacota daquelas que gostam de ler livros eróticos, seja de qual gênero paralelo for. Essas pessoas, inclusive mulheres, diminuem a importância destes livros, tratando-os como algo que nem pode ser considerado literatura, separando assim aqueles que leem livros “de verdade”, daquelas que não.

"Em sua maioria, a fantasia erótica, ou livros eróticos no geral, são escritos por e para mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+. Seus enredos não são necessariamente centrados nas cenas de hot especificamente, mas como se trata de um romance, bom, quem ama transa."

Particularmente, eu vejo livros como lugares libertadores. Dentro das páginas de qualquer ficção, biografia, não ficção, estamos todos aprendendo alguma coisa. Inclusive, é cientificamente comprovado (vou deixar o link dos artigos no final deste texto), que leitores (no geral) desenvolvem mais a empatia do que os não leitores, já que se inserem em diversas narrativas que vão além da realidade material que eles mesmo conhecem.

Por isso, me surpreende muito quando um gênero literário é vilanizado, ou há uma tentativa de transformá-lo em sub leitura. Especialmente quando é um gênero que trata da sexualidade feminina.


Em sua maioria, a fantasia erótica, ou livros eróticos no geral, são escritos por e para mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+. Seus enredos não são necessariamente centrados nas cenas de hot especificamente, mas como se trata de um romance, bom, quem ama transa. E de maneiras muito elaboradas e diversas. No mainstream, a série ACOTAR (acrônimo de A Court of Thorn and Roses), que já está no seu 5º livro, é a que eu mais vejo sendo rebaixada intelectualmente por aqueles que acreditam que a fantasia e o erótico não são literatura de verdade. Talvez, inclusive, como uma forma de autodefesa cômica, a trend que mencionei no começo desse texto tenha surgido, afinal, se você não leva a sério a sua leitura, dá uma quebrada nas pernas daqueles que a levam.


Mas aqui eu queria fazer questionamento importante: por que a mulher busca a literatura erótica?


"O primeiro estudo sobre a sexualidade feminina, o Relatório Hite, é de 1942. O primeiro estudo completo sobre a anatomia do clítoris é de (pasmem), 1998, e apenas em 2021 os primeiros livros didáticos começam a ter a anatomia completa deste órgão descrito em suas páginas."

Historicamente, a sexualidade e o desejo feminino sempre ficaram em segundo plano, ou tratados como inexistentes. No começo do século XX se acreditava que mulheres não sentiam qualquer tipo de prazer sexual. O primeiro estudo sobre a sexualidade feminina, o Relatório Hite, é de 1942. O primeiro estudo completo sobre a anatomia do clítoris é de (pasmem), 1998, e apenas em 2021 os primeiros livros didáticos começam a ter a anatomia completa deste órgão descrito em suas páginas. Gente, o clítoris, o único órgão do corpo humano que existe apenas para o prazer daquela/e que o tem. Por isso, não é nenhuma surpresa que contos e livros eróticos que começam a destacar a sexualidade feminina e o prazer da mulher (como os de Baudelaire e Flaubert no século XIX) tinham que ser lidos na surdina, e normalmente eram passados de mão em mão entre as mulheres da época, pois “mulheres direitas” não deviam nem saber da existência do sexo por prazer, que dirá sentir algo sobre ele.


E nessa onda do conservadorismo que estamos vivendo, de mãos dadas com movimentos políticos de extrema direita, que inclusive amam misturar religião com estado, livros como esses que estou tratando aqui, acabam sendo tratados como subliteratura por aqueles que acreditam que a sexualidade feminina é e deve continuar sendo um grandissíssimo tabu.

Devemos ficar sempre atentas a essas brincadeirinhas sobre aquilo que nós, como mulheres e minorias, gostamos. Parece muito inocente, tanto que nem parece uma crítica quando nós mesmas entramos na brincadeira, mesmo que não seja alguém condenando diretamente a leitura de alguma literatura que seja.


Mas por trás de cada vídeo que brinca com “o que é ou não é literatura”, existe alguém que está pensando em como isso pode ser transformado em algo negativo, tabu e consequentemente, algo passível de banimento, como os ultra conservadores e religiosos dos Estados Unidos amam fazer com literatura considerada subversiva.

 

Atenção meninas.


Artigos mencionados neste texto:


How Does Fiction Reading Influence Empathy? An Experimental Investigation on the Role of Emotional Transportation


The relationship between reading and empathy: An integrative literature review

Sarah Aline Roza 

Federal University of Paraná, Brasil

 Sandra Regina K. Guimarães

Federal University of Paraná, Brasil

 
 
 

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