Trauma sem Face
- Rebel Girl
- 6 de mai.
- 2 min de leitura
A mente é fã ou hater?

Comecei a ler recentemente o livro Norwegian Wood, do Murakami, coisa de primeiro capítulo ainda. A escolha foi para um desafio literário que participo, onde precisava ler um livro escrito no ano que eu nasci. A premissa de ler uma obra sobre uma época em que não existiam celulares é muito interessante.
No entanto, me vi perdida em pensamentos enquanto o leitor descrevia os dele. O livro começa com uma lembrança já muito desfocada de uma menina, alguém da qual (acredito eu) iremos descobrir mais ao longo da obra. O próprio nome do livro, Norwegian Wood, faz referência a uma música que está relacionada a esta personagem ainda misteriosa, e que causa repulsa física ao protagonista. Quando ela toca, ele se contorce em agonia (e claro, nós também).
E me peguei pensando: existe um trauma ali, um trauma relacionado a uma menina da qual o personagem não consegue mais lembrar do rosto.
Fui à gavetinha mental dos meus próprios traumas, não aqueles de pai e mãe, esses são figurinha brilhante, mas aqueles que a gente acaba vivendo por escolhas que nós mesmo fizemos, e comecei a tentar pensar nos rostos destas pessoas, e nada me veio a cabeça. No livro, o protagonista faz um esforço e em poucos minutos, ele consegue se lembrar do rosto da garota, em nível de detalhes importantes. Eu fiz um certo esforço e meu cérebro não me devolveu nada.
Meu pensamento foi “traumas sem face”.
"Fiquei intrigada. Fico pensando se era disso que Júlio Cesar (não o original famoso, meu terapeuta mesmo) falava quando ele dizia que eu dava muito poder as pessoas. "
Existem diversos estudos que relacionam trauma a memórias afetadas, com certeza não se lembrar da face de quem estava envolvido está relacionado a estas questões altamente científicas. No entanto, sem esforço algum eu consegui acessas exatamente qual sentimento que aquele trauma me causou. Se me deixasse levar um pouco eu conseguiria navegar nele, revivê-lo, e as memórias de mim surfando na dor, essas eu tenho em minha mente claras como o meu pão com queijo branco que comi hoje no café da manhã.
Fiquei um tanto chocada. Os “causadores” de mazelas, aqueles que realmente nos fizeram sofrer, estão totalmente apagados, mas o sentimento ficou. Me pareceu bizarro, porque se não há um ser causador mais, se a imagem do outro não é importante, então quem tem a capacidade de me corroer em dor? Eu mesma?
Fiquei intrigada. Fico pensando se era disso que Júlio Cesar (não o original famoso, meu terapeuta mesmo) falava quando ele dizia que eu dava muito poder as pessoas. Eu imaginava que não, que tudo o que eu sentia era validado diretamente daquilo que haviam me feito, quando em uma leitura aleatória percebi que não, né?
Senti como se fosse torturadora de mim mesma, e questionei minha própria mente “é fã, ou hater?”.
Não há muito mais além desta reflexão. Dor parece ser algo que rasga fisicamente a pele, muito difícil viver a vida sem lembrar delas, porque sabemos o que elas causaram. Sabemos como tivemos que existir com elas. As pessoas... Aparentemente, as pessoas não, como pequenos ignitores de mazelas, as esquecemos e as abandonamos.
O que sobra é apenas nós.
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